quinta-feira, 1 de julho de 2010

MINHA IGREJA SOFREDORA: Comendo o amargo fruto do pecado.

Lamento Primeiro: Os resultados da Transgressão (Lm.1)
Por Mario Freitas


Quando falo em igreja sofredora, geralmente me refiro às comunidades cristãs do mundo todo, que adoram em locais de perseguição religiosa, catástrofe e pobreza extrema. Há outros locais onde o evangelho é vivido de maneira mais confortável e, por vezes, menos autêntica. É a igreja estável.

Em geral, tenho investido minha vida na tentativa de despertar a igreja estável para sua missão junto à igreja sofredora. Nos últimos meses, meu envolvimento com o Haiti fez com que esta missão pessoal ficasse ainda mais clara em minha prioridade vocacional. No entanto, percebo que a igreja estável também é sofredora. Como igreja brasileira sofremos o fruto do pecado que decidimos abraçar. É sobre isso o presente texto.

O livro de Lamentações é pouco explorado. Deveria ser um guia de orações da igreja contemporânea, visto que temos muito pelo que lamentar. A igreja está cada vez mais distante do projeto original de Jesus de Nazaré. Urge que lamentemos, e que, a partir do lamento sincero e contrito, sejamos presenteados com um avivamento genuíno.

Inicio aqui uma breve série baseada no livro de Lamentações, escrito pelo profeta Jeremias em função da destruição avassaladora que acometeu Jerusalém nem 587 AC. Os lamentos do profeta dizem respeito à desolação de Jerusalém por ocasião da invasão babilônica.

Por conta da decisão do povo em mergulhar na transgressão e no abominável, Jerusalém foi tomada pelo rei de Babilônia. A devastação foi absoluta, e eis o que o profeta chora. Ele chora que Jerusalém não é mais o que era antes. Ele chora que o pecado tornou Jerusalém em uma cidade fantasma, um local desprezível, uma razão de chacota entre as nações vizinhas. Ele chora os resultados da transgressão do povo.

O primeiro resultado lamentado pelo profeta é a deformação. Jerusalém fora criada para ser gloriosa, nobre, honrosa entre as cidades dos povos. Agora, era uma prostituta desnuda, completamente entregue e envergonhada. Era uma vergonha ser de Jerusalém naquelas circunstâncias. Qualquer um se envergonharia.

Portanto, o pecado deforma-nos na medida em que nos transforma em algo diferente (e sempre inferior) àquilo que Deus nos criou para ser. A igreja está deformada, e isso é fruto da opção que fizemos pela transgressão. É um resultado natural. Precisamos lamentar.

Já ouvi diferentes histórias de mendigos que são ex-pastores e ex-líderes de igreja, hoje entregues ao alcoolismo e ao frio das ruas. O pecado deforma, ridiculariza o homem. E o processo que parece absurdo para quem vê de fora é rápido e envolvente para quem foi tomado pela força da transgressão. Eis o que ocorreu com a igreja. É preciso chorar.

A igreja de Cristo existe para reproduzir Sua obra, para ser sua agência na Terra. O pecado transformou a casa de Deus em casa de festa pagã; o estudo da Palavra numa empreitada de oportunismo acadêmico; a ética em elemento facultativo. Quando a igreja vive distante do que Deus a criou para ser ela está pagando o preço da transgressão que outrora abraçou.

O segundo resultado da transgressão do povo que o profeta lamenta é a solidão. É um paradoxo: se todos pecamos, deveríamos estar juntos nisso. Mas o pecado nos distancia. Não são todos que fazem a opção de andar com os deformados; eles geralmente se quedam sós.

Quando grandes líderes caem em pecado, uma reclamação que se repete diz respeito à ausência de apoio e cuidado pela igreja. Criticamos, afirmando que a igreja não está preparada para restaurar. Pode ser verdade, ao menos parcialmente. Mas conheci muitos casos em que houve pleno interesse da igreja em restaurar, e ainda assim a restauração não aconteceu.

A verdade é que o pecado isola. Isola, porque aqueles que se consideram santos irão repudiar o pecador. Mas isola porque quase nunca somos capazes de lidar com a própria culpa. O pecador se isola. Utiliza justificativas agressivas e de acusação, alegando que não foram aceitos. Mas a verdade é que não conseguem conviver consigo mesmos.

No contexto da cidade, aquela que era uma referência frondosa, populosa, agora tornara-se solitária. O profeta chora: já não há vida, já não há movimento. No contexto da igreja, pode não fazer sentido. Nossas igrejas não são cidades-fantasma; pelo contrário, estão cheias, cada vez mais cheias. Mas a vida não está lá. As conversões já não são sinceras. Há barulho e não há vida; há movimento e não há vida. O nascer de novo está ausente. E onde não se nasce, se envelhece. Chegará o momento em que os ossos que seguram o corpo já não mais agüentarão. Enquanto existir como um movimento, mas sem a vida verdadeira que emana da Fonte que é Cristo, estamos fadados à condição falida e fantasmagórica da solidão. Aconteceu na Europa. Precisamos chorar. Lamentar é preciso.

Por último, o pecado de Jerusalém gerou aflição, e isso em termos materiais e físicos. É preciso ter cuidado aqui. Sou um combatente à chamada “teologia do castigo”, que lida com os desastres e catástrofes naturais como punição divina pelos erros culturais de uma nação, por exemplo. Não creio nisso. Não creio que o terremoto do Haiti seja uma resposta divina ao vodu. Mas creio que o pecado cansa, desgasta, produz efeitos sobre o pecador que chegam perto da irreversibilidade.

Davi afirma no Salmo 32 que enquanto não lidou com o pecado seu corpo definhava. Dores nos ossos. Não creio que toda osteoporose seja fruto do pecado; creio, porém, que todo pecado é revertido em aflição e peso, o que pode afetar o corpo.

É esse também o lamento de Jeremias. Como era comum aos profetas do Antigo Testamento ele encarna o pecado do povo, e geme de dor. Em Lamentações 1:14 ele diz que o pecado pesava sobre ele como um jugo de escravidão. O pecado desgasta.

A igreja está desgastada. Às vezes me sinto cansado da igreja, mas sou arremetido à verdade inegociável de que eu sou a igreja, e se canso da igreja estou cansado de mim mesmo. Não adianta fugir dos rótulos, afirmar que não sou mais evangélico. Sou sim. E sofro. Meus ombros pesam, meus músculos se contraem e me traem. É preciso lamentar.

Curioso, porém, é conseguir terminar uma meditação tão penosa com alguma esperança. Mas é possível, é absolutamente possível! Basta lembrar que todos esses efeitos do pecado foram assumidos por Jesus. Jesus não somente levou meus pecados e os da igreja com Ele; ele levou todos os pesos e resultados referentes a esses pecados.

Jesus sofreu a deformação. A profecia messiânica de Isaías 53 diz que ele foi esmagado pelas nossas iniqüidades. Moído, Seu corpo foi abatido. Se nossos pecados não causassem tais efeitos, talvez Sua morte pudesse ter sido mais branda, talvez um ataque cardíaco imediato e sem conseqüências, a chamada “morte dos nobres”. Não, Ele é punido com severidade física. O pecado deforma. E ele levou sobre Si a deformação que nos cabia.

Jesus sofreu a solidão. Ele mesmo lamenta o distanciamento de Deus, a dor de sentir-se abandonado: “Eli Eli, Lamá Sabactani” (Mateus 27:46). O pecado isola, e esse isolamento Ele também tomou sobre Si.

Jesus sofreu a aflição. O mesmo texto de Isaías 53 afirma que fomos sarados pelas suas feridas. Ele sentiu dor, Ele sentiu sede. Ele literalmente morreu de dor. O pecado aflige, desgasta, cansa e faz desfalecer. E Ele pagou também esta conseqüência das transgressões da igreja.

Como igreja, eu devo e posso andar vitoriosamente. Ele já sofreu os efeitos da minha própria transgressão. Cabe a mim, portanto, viver de forma a honrá-lo. Intencionalmente.

*Mário Freitas é um verme em processo de conversão.


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