sábado, 26 de junho de 2010

QUEM PECOU NO NORDESTE?

 Por Mário Freitas

“Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus” (João 9:2-3).



Não sou teólogo. Esse é o meu ponto de partida nesse texto. Nessas linhas, portanto, simplesmente faço vomitar os enjôos do meu coração. Não considero que minhas golfadas sejam ensejos teológicos. Simplesmente, meu coração pesa e amarga quando vê as imagens das violentas enchentes que afligiram Alagoas e Pernambuco nos últimos dias. Foram mais de 40 mortos, ainda dezenas de desaparecidos, e dezenas de milhares de desabrigados. Caos. Inferno na Terra. Haiti no Brasil.

Quando comecei minha peregrinação no Haiti, em Janeiro de 2010, uma pergunta teológica me motivou a ir até lá. Seria o terremoto um castigo pelo pecado relacionado às práticas do vodu? Eu sabia que não, e para mim fazia pouco sentido permanecer em casa, confortavelmente indagando a teologia do problema, privando-me de prestar algum auxílio coerente com o evangelho de Jesus de Nazaré. Por isso parti.

Mas se houve alguma pretensão minha em encerrar com trabalho as baboseiras dessa teologia do castigo, confesso que falhei. A série de bobagens parecia não ter fim. Com o terremoto no Chile, ocorrido em março, disseram que Deus os tinha castigado em função de sua arrogância financeira, já que os nossos quase vizinhos eram vistos como a economia mais sólida da América do Sul. Em seguida, com a tragédia no morro do Bumba e as chuvas do Rio de Janeiro, alguns outros disseram que o povo estava sendo punido por conta do carnaval.

Assim, considerando as catástrofes das últimas chuvas, a primeira questão que me vem à mente agora: Qual será a causa da punição do Nordeste? O que foi que eles fizeram de errado? O que os teólogos de plantão terão para tirar da cartola nesse momento? Que foi que o nordestino fez?

Não será a causa do desastre a suposta idolatria quanto ao Padre Cícero? Ou não serão as festas populares, nessa época de São João? Ainda, não será porventura o sonho geral de se fazer uma vida no sudeste, abandonando a terra natal? Enfim, quem foi que pecou no Nordeste para que merecessem esse mal?

Volto a repetir: não sou teólogo. Mas o texto bíblico citado acima, que narra o encontro de Jesus com o cego de Jericó, o qual hoje li em minha devocional pessoal, me fornece algumas das respostas que minha alma demanda. Algumas respostas, somente algumas. Em muitas de suas crises minha alma continuará sem resposta.

Primeiro, a doutrina da graça não provê espaço para qualquer teologia de causa e efeito. As coisas boas não acontecem como pagamento pela boa conduta, e as coisas ruins nem sempre são castigo por um mau comportamento. Em outras palavras, coisas boas acontecem a pessoas ruins, e tragédias atingem pessoas boas. É por isso que Jesus afirma, sobre o cego de Jericó, que ele não nascera cego por castigo ao pecado de alguém.

Lamentações é um livro esclarecedor. O profeta, homem fiel a Deus e santo em seus procedimentos e escolhas, lamenta o estado da Jerusalém desolada. Num determinado momento, ele entra em crise: pessoas ruins prosperavam, pessoas boas seguiam desabrigadas e oprimidas pelos da Babilônia (v.5). A tragédia leva-nos mesmo a esse tipo de crise de fé, de matematização do mérito. Mas a Bíblia não defende isso. Pelo contrário, a Escritura é o livro do favor imerecido. Desde seu início, trata da história do homem que escolheu cair em pecado, merecendo desde o início o caos, mas que teve suas dívidas pagas na cruz.

Em segundo lugar, o texto do cego de Jericó me ensina que Deus tem uma intenção gloriosa a partir da tragédia. Os discípulos de Jesus fazem uma pergunta referente à causa – “quem pecou?”. Jesus responde com base no propósito – “para que”.

Mas é bem verdade que pode parecer hipócrita dizer que Deus tinha um plano com a devastação do Haiti. Deus não pode ter tido um plano com aquilo. Eu vi, eu estava lá em janeiro. Abrir-se-ia aqui um espaço para uma das questões teológicas mais polêmicas e complexas dos últimos tempos, a saber, o problema do teísmo aberto. No entanto, como já afirmei, não sou teólogo.

Prefiro afirmar que, independente de quem o tenha efetuado, Deus cria uma oportunidade a partir do caos. Para mim é menos importante descobrir o pai da criança do que projetar a esperança que há na criança. Não sei se parece irresponsável, mas penso que vislumbrar esperança na catástrofe é ligeiramente mais proveitoso do que determinar sua origem. Não importa quem tenha feito, importa o que vai resultar.

Quanto ao cego, Jesus afirma que sua limitação visava a glória de Deus. A catástrofe, por si só, não manifesta a glória de Deus. Deus não é glorificado quando uma criança é furtivamente morta enquanto dormia, pelas águas devastadoras de uma enchente. Tampouco, a glória de Deus não é necessariamente expressa quando um teólogo desvenda as origens do sofrimento. Mas a glória de Deus está na unidade do Corpo de Cristo diante da limitação do corpo humano; a glória de Deus está no cumprimento da missão da igreja de Cristo; a glória de Deus está na salvação buscada pelo ímpio, por aquele que não buscava enquanto não via o caos. É polêmico afirmar que Deus tenha causado a catástrofe. Mas parece pacífico afirmar que Ele saiba como ninguém utilizar-se do desastre para criar um novo projeto de esperança. Ele recicla o caos.

Outra vez afirmo: não tenho intenções teológicas aqui. Mas esboço, por essas linhas, meu sentimento de que quero ver a glória de Deus se manifestar através da minha vida, nesses contextos de tribulação. Quero ser luz. Quero ser um barco na enchente. Isso me basta.

Mário Freitas é um doido que mora em BH e coordena trabalhos voluntários no Haiti.
Fonte: +MAIS

1 Comentário:

Anônimo disse...

Vc pode não ser teólogo, mas sua teologia é coerente com o Deus revelado em Jesus de Nazaré: O Deus de amor! Portanto, não pode ser um "deus" sádico e punitivo. Entre o "teísmo aberto" (modinha teológica dos americanóides), e o Teísmo Determinista, de boa parte dos calvinistas de conheço, penso haver uma via média, um "mainstream". Ora, Deus em Cristo se revela todo-poderoso no amor! E o amor-ágape é o maior "poder" de transformação que o mundo pode experimentar, capaz de transformar mal em bem. Um amor que vira indivíduos do avesso e muda o rumo da História. Amor de Deus solidário, que se põe ao lado daquele que sofre, se compadece deste e o capacita, com a força do seu amor, a superar a dor e a calamidade. O nosso Deus é misericordioso! É esse amor revelado em Cristo, que nos constrange à agir em nome de Dele, sendo então, os nossos braços, Seus braços. Braços que abraçam os feridos, e nossas mãos as Suas mãos que só abençoam, jamais agridem. Na verdade, esses "teólogos" das catástrofes são tudo, menos crentes do Deus que é amor-ágape, revelado de maneira última e definitiva em jesus Cristo, Nosso Senhor. Que os que sofrem possam sentir na carne esse amor que tudo pode mudar. Louvado seja o nosso Deus!

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